Quem sou

Vitória, ES, Brazil
Sou servidor público federal, formado em Administração Pública pela Unisul. Atualmente, estudo teologia na Faculdade Unida de Vitória e frequento uma comunidade da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Vivo todas as ambiguidades possíveis e, a partir delas, confio na imensa graça de Deus.

Thursday, May 26, 2011

Sexualidade, silêncio, exclusão: é nojento!


“O que não é regulado para a geração ou por ela transfigurado não possui eira, nem beira, nem lei. Nem verbo também. É ao mesmo tempo expulso, negado e reduzido ao silêncio. Não somente não existe, como não deve existir e à menor manifestação fá-lo-ão desaparecer – sejam atos ou palavras. [...] Assim marcharia, com sua lógica capenga, a hipocrisia de nossas sociedades burguesas. Porém, forçada a algumas concessões. Se for mesmo preciso dar lugar às sexualidade ilegítimas, que vão incomodar noutro lugar: que incomodem lá onde possam ser reinscritas, senão nos circuitos da produção, pelo menos nos do lucro. O rendez-vous e a casa de saúde serão tais lugares de tolerância: a prostituta, o cliente, o rufião, o psiquiatra e sua histérica – estes ‘outros vitorianos’, diria Stephen Marcus – parecem ter feito passar, de maneira sub-reptícia, o prazer a que não se alude para a ordem das coisas que se contam; as palavras, os gestos, então autorizados em surdina, trocam-se nesses lugares a preço alto. Somente aí o sexo selvagem teria direito a algumas das formas do real, mas bem insularizadas, e a tipos de discurso clandestinos, circunscritos, codificados. Fora desses lugares, o puritanismo moderno teria imposto seu tríplice decreto de interdição, inexistência e mutismo” (Michel Foucault).

“Não aceito propaganda de opções sexuais”. Com essas palavras, a presidente Dilma Rousseff decidiu suspender a produção e a distribuição do kit anti-homofobia, que estava para ser distribuído às escolas de todo o país. Após a derrota na votação do novo Código Ambiental, o governo sucumbiu às pressões dos grupos religiosos, que ameaçavam aderirem à proposta de abertura da CPI contra o ministro Antônio Paloci e de obstrução de pautas de votação de interesse da base governista. Infelizmente, está claro que a opção do governo foi política, por medo de novas derrotas no Congresso. De qualquer forma, gostaria de tecer algumas considerações.

Primeiramente, as escolas já fazem propaganda de opções sexuais e modelos familiares. A despeito das novas configurações de família, os livros didáticos a trazem como pai, mãe e filhos, hierarquicamente relacionados: o pai, provedor e chefe da família; a mãe, responsável pela casa e pelo cuidado dos filhos; e estes, devedores de plena obediência aos pais. A apresentação desse único modelo desrespeita as famílias monoparentais, os casais homoafetivos, as famílias com pais ausentes e todas as demais excluídas do modelo nuclear, cuja ascensão se deu apenas no século XIX.

O kit anti-homofobia é uma oportunidade de se naturalizarem as relações homossexuais, tal qual já foram naturalizadas as relações heterossexuais. É importante frisar que nenhuma relação sexual ou padrão de gênero é natural por si, mas se tornam naturais através do valor que damos a eles. Isso é tanto verdade que existem hermafroditas e transsexuais, o que facilmente desestrutura essa visão dualista de gênero. A heteronormatividade foi construída social e culturalmente, e pode ser desconstruída.

A rejeição ao kit demonstra um problema de visão de mundo muito grande e parte do pressuposto de que a heterossexualidade é melhor e mais desejável que a homossexualidade. Mas isso é um juízo de valor sem fundamento. O que há de errado em “influenciar as criancinhas a adotarem um comportamento homossexual”? Se esse kit vier a influenciar de alguma forma, não há problema moral nisso, pois não há fundamento para olhar para a heterossexualidade como algo melhor e mais desejável. Considerando que o ser humano é dotado de sexualidade e que essa sexualidade pode se manifestar das mais diversas maneiras, eu acredito apenas que mais jovens se permitiriam um relacionamento homossexual. Mas isso não é um problema, pois rejeitar isso seria mais uma vez dar força è heteronormatividade. Em contrapartida, esse kit só abriria espaço para outros modelos de relacionamentos e famílias a que as crianças são pouco expostas, o que certamente ajudaria a diminuir o preconceito.

Mas a lógica dos grupos religiosos é outra. Como bem disse Michel Foucault, “o que não é regulado [...] não possui eira, nem beira, nem lei”. É assim mesmo, se ninguém discutir como a violência contra os homossexuais (tanto física quanto simbólica) se dá na sociedade, eles não serão vítimas de discriminação, pois ninguém entenderá como discriminação a “defesa dos valores da família” em detrimento do bem estar físico, emocional e espiritual de uma parcela da população, e mais uma vez sexualidades desviantes devem ser exercidas na clandestinidade, em ambientes destinados especificamente a elas.

Essa é a lógica desses grupos: deixar seres humanos comerem o pão que o diabo amassou para ver se eles voltam à uniformidade exigida pelo fundamentalismo. É nojento! Só este ano, 65 homossexuais foram mortos no Brasil pelo simples fato de serem homossexuais.

Abaixo, segue reportagem sobre a prática da homofobia na sociedade.

Termino essa postagem apenas com essa frase: É NOJENTO!!!!


Saturday, May 7, 2011

Falando em direitos homoafetivos


O Supremo Tribunal Federal concedeu aos casais homoafetivos o direito de serem reconhecidos como entidade familiar, para todos os efeitos jurídicos decorrentes. Foi um primeiro passo em direção à plena cidadania, mas ainda há muito a trilhar. Dentre algumas vitórias pendentes está a aprovação do Projeto de Lei da Câmara 122/2006, que define os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.

O presente projeto tem como objetivo tipificar diversas condutas discriminatórias como crime, garantindo a proteção àquelas pessoas que, por motivo de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero, estejam em situação passível de sofrer preconceito. Isso se faz necessário para garantir o expresso no artigo 7º. da Declaração Universal dos Direitos Humanos (“Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação”).

Além disso, o princípio da isonomia previsto no caput do artigo 5º. da CF significa muito mais que evitar tratamento desigual, mas sim tratar de forma igual aos iguais e de forma diferente aos diferentes, na medida da desigualdade. Por essa razão, criar proteção legal a certos seguimentos da população não é criar direitos especiais, mas garantir igualdade de tratamento e proteção àqueles que, de alguma forma, estariam expostos à discriminação. Mais ainda, esse PLC é um passo adiante na promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (artigo 3º., inciso IV, da CF).

Surge, contudo, a partir daí, questionamentos por parte de grupos religiosos contrários à inclusão da proteção contra discriminação por motivo de orientação sexual e identidade de gênero. Alegam que tal proteção seria uma afronta à liberdade de expressão e de religião, uma vez que não seria mais possível falar acerca da “prática homossexual” como pecado. Seria então uma “ditadura gay”?

Pessoalmente, vejo a expressão “ditadura gay” como uma grande ironia. Afinal de contas, quem tem seus empregos, seu bem-estar físico e psicológico, sua integridade física e moral, sua convivência com familiares e amigos e muitos outros direitos afetados por essa lei? De forma alguma são as minorias sexuais.

Pois bem, analisemos o projeto de lei na perspectiva da hierarquia das normas. É sabido que, nos Estados democráticos de direito, como é o caso do Brasil, existe uma lei maior, que é a Constituição Federal, a que todas as demais normas devem obediência. Assim sendo, uma lei infraconstitucional deve estar de acordo com os dispositivos da Constituição para que tenha validade. É um de seus pressupostos.

Por essa razão, e levando em consideração que a liberdade de expressão (vedado o anonimato, cabe salientar aqui) e a liberdade religiosa estariam garantidas pela constituição. Se a homossexualidade é conduta pecaminosa em alguma religião, esta poderá exercer o seu magistério no âmbito eclesial e litúrgico, bem como expressar publicamente sua opinião.

Não poderá, contudo, tratar a pessoa homossexual com falta de respeito, tal qual o fez o então presidente da Convenção das Assembléias de Deus do Estado do Espírito Santo, no ano de 2007, ao falar, num jornal de grande circulação, que os homossexuais “são piores que os animais do campo”. Cometeu duplo pecado: (1) contra os animais do campo, pois nada tem de diabólicos por si; e (2) contra as pessoas homossexuais, que o fato de ser homossexual não determina o caráter de ninguém. Tampouco poderá tratar condutas sexuais desviantes de forma distinta umas das outras.

Seria, então, a norma inconstitucional? Não. Deve-se lembrar que dentro da própria Constituição existe uma hierarquia entre princípios e normas. Os princípios são orientações programáticas que sobrepujam as próprias normas positivadas. Assim sendo, a Carta Magna aponta a dignidade da pessoa humana como um dos princípios da República Federativa do Brasil. Com isso, facilmente pode-se antever que as normas de direitos fundamentais, tais quais a liberdade de expressão (vedado o anonimato) e a liberdade de culto, devem ser interpretadas como sujeitas ao critério da dignidade da pessoa humana. Sempre que esse critério não for satisfeito, os outros direitos devem ser revistos.

Até o momento, tentei apresentar a validade jurídica do projeto de lei. Agora, passo aos aspectos da teologia e da política. Muito bem expressou Adela Cortina ao dizer que “só pode sentir-se parte de uma sociedade quem sabe que essa sociedade se preocupa ativamente com sua sobrevivência, e com uma sobrevivência digna” (2005, p. 52). De pronto, já se percebe que alguém que tem seus direitos básicos negados (emprego, propriedade, integridade física e emocional, proteção a seus relacionamentos etc.) não pode sentir-se totalmente parte de uma sociedade. E é exatamente isso que vem acontecendo com as pessoas homossexuais, em especial aquelas de menor poder aquisitivo e mais vulneráveis à lógica do mercado.

Aqui me faz lembrar o pensamento de Habermas, citado por Julio Zabatiero, sobre o qual se afirma que, em sociedades pós-seculares, tanto pessoas religiosas quanto não religiosas devem abrir mão de um aspecto de suas convicções. Ressalto aqui o que as pessoas religiosas devem abrir mão: de uniformização. Muito pelo contrário, devem reconhecer que sempre haverá um dissenso numa sociedade pluralista, e que esse dissenso é bom. Por essa razão, pessoas homossexuais têm o direito à existência digna, inclusive como médicos, babás, enfermeiros e professores dos filhos de casais religiosos.

O evento fundante do Cristianismo e sua mensagem devem informar a teologia que fazemos acerca das relações homoafetivas e da proteção dos direitos dos homossexuais. A postura de Jesus Cristo sempre foi a da inclusão: tocava pessoas doentes, comia com publicanos e pecadores, acolhia prostitutas, ignorava os preceitos de guarda do sábado... ou seja, desrespeitava as normas religiosas que, de alguma forma, excluíam pessoas de vida digna. Além disso, as curas e exorcismos que acompanharam o ministério de Jesus são sinais do reino de Deus e, como tais, representam que, a partir dessa nova realidade, todos devem ter acesso a uma vida digna e íntegra, ou seja, quando o reino de Deus invade a nossa realidade, as promessas de paz e salvação se tornam realidade.

Aqui cabem duas observações: (1) paz tem a ver com abundância, com ter comida na mesa, com a fertilidade do solo, dos animais e das mulheres, tem a ver com vida boa; e (2) salvação e saúde são termos de significado muito próximos. Veja-se pelas curas de Jesus, costumeiramente acompanhadas pela expressão: “a tua fé te salvou”. Salvação não é evitar um possível inferno, mas encontrar justiça, paz e integralidade, uma vida de sentido diante de Deus e do próximo.

Nessa perspectiva, pessoas homossexuais estão sendo excluídas do reino de Deus pelo simples fato de existirem. Se levamos a sério o ministério de Jesus na terra, e se acreditamos em paz e salvação inauguradas pelo evento Cristo, não há como continuarmos negando vida digna e proteção jurídica às minorias sexuais. Acredito que a decisão do STF de reconhecer as relações homoafetivas como uniões estáveis é um primeiro passo, mas ainda há muito a ser trilhado.

Cabe salientar, por fim, que o presente projeto não se restringe apenas à proteção a pessoas homossexuais, mas a uma série de pessoas cujo direito à existência digna é negado diariamente, inclusive por grupos religiosos.

Thursday, May 5, 2011

Deusas em Israel?!

Hoje o professor de Hebraico Bíblico citou um sítio arqueológico do séc. 8 ou 9 a.C. da Península do Sinai que me chamou a atenção. Chama-se Kuntilet-Ajrud. A imagem abaixo foi encontrada numa cerâmica e embaixo dela estava escrito: "Iahweh de Samaria e sua Asherah". Isso indica a existência de um templo de adoração a Iahweh em Samaria, capital de Israel (Reino do Norte). Mas o que mais me chamou a atenção foi essa deidade sentada, a Asherah. Seria esposa de Iahweh?! Eu já sabia que os diferentes povos que se fixaram nas regiões montanhosas da Palestina, em fuga dos sistemas de cidade-Estado, adoravam diferentes deuses e aquela Liga Tribal permaneceu politeísta por séculos, somente havendo uma tentativa de centralização do culto num único deus a partir do momento em que os sacerdotes de Judá assumem o poder. Mas a presença de uma deusa é novidade para mim.

Outra coisa que me chamou a atenção: a presença bovina na imagem. Por acaso seriam representações teromórficas de divindades? Sei que touros e bezerros representam força, e que há narrativas de adoração a bezerros no Antigo Testamento. Encontramos, então, outros deuses?

Por fim, os órgãos genitais avantajados dos deuses masculinos, chegando até a altura dos joelhos, demonstram a importância da fertilidade (da terra, dos animais, dos seres humanos, dos próprios deuses...) para aquele povo.

Jogo os dados e deixo as conclusões por conta de vocês.