Quem sou

Vitória, ES, Brazil
Sou servidor público federal, formado em Administração Pública pela Unisul. Atualmente, estudo teologia na Faculdade Unida de Vitória e frequento uma comunidade da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Vivo todas as ambiguidades possíveis e, a partir delas, confio na imensa graça de Deus.

Tuesday, July 12, 2011

Evangelizar é pregar vida boa, é estar com quem sofre, é dar esperança


Leituras Bíblicas: 1 Coríntios 1.18-31; Mateus 5.1-12


Em que consiste o ministério cristão? Qual é o nosso papel no mundo? Como nós, cristãos, devemos agir e falar da nossa fé para as outras pessoas? Por acaso a Igreja é uma instituição que deve ensinar um monte de dogma e doutrina? Por que estamos reunidos aqui, hoje, nesse culto? Essas são perguntas que vira e mexe a gente faz. E quando a gente compara a nossa igreja a outras, parece que essas perguntas ficam mais incômodas ainda. A gente liga a TV e vê pastores, missionários, apóstolos... E todos eles dizem que Deus está operando milagres através da igreja deles. E eles pregam a verdade deles de uma forma tão firme e tão agressiva, que todas as outras verdades são vistas como erradas, como heresia.

Do outro lado, a gente vê um monte de teoria, de pensamento, de gente que se diz inteligente, de gente que se diz portadora da verdade, da ciência, do que é certo e do que é errado, dizendo o que a gente tem que fazer, como a gente tem que viver. Às vezes parece que a gente vive na ditadura do especialista. O pedagogo diz como a gente tem que criar nossos filhos. O médico diz como a gente tem que cuidar da saúde. O psicólogo dá receita pra ser feliz. No meio de tantas propostas, a gente fica até perdido, não é mesmo?!

A carta do apóstolo Paulo nos alerta para algumas formas tentadoras de ser igreja e de pregar o que a gente crê. Somos tentados a evangelizar através de grandes sinais, de milagres, de um espetáculo pra chamar a atenção das pessoas e dar alguma credibilidade à nossa mensagem. Se queremos mostrar poder, então nós mesmos vamos trair a mensagem de Jesus. O próprio Jesus se negou a afirmar sua autoridade através de sinais. Quando os fariseus começaram a pressioná-lo para que ele fizesse algum milagre para provar que seu poder era de Deus, Jesus simplesmente respondeu: “Por que as pessoas de hoje pedem um milagre? Eu afirmo a vocês que isto é verdade: nenhum milagre será feito para essas pessoas” (Marcos 8.12). Se nem Jesus fica dando milagre para provar que sua mensagem vem de Deus, por que a gente quer ficar fazendo milagre?

Tudo bem que a Bíblia diz que Jesus e seus discípulos realizaram um monte de curas e exorcismos. Mas essas curas e exorcismos tinham um único objetivo: mostrar que o reino de Deus já tinha chegado para aquelas pessoas. Aliás, para mostrar que o reino de Deus já chegou para todo mundo. E que é um reino de cura, de justiça, de salvação.

Só que a mensagem de Cristo é diferente. Ele quer que a cruz seja nossa referência, o nosso jeito de pregar e de viver a nossa fé. Se queremos ser fiéis à mensagem de Jesus, a nossa esperança e o nosso testemunho devem estar firmados no Cristo que “abriu mão de tudo o que era seu e tomou a natureza de servo, tornando-se assim igual aos seres humanos. E, vivendo a vida comum de um ser humano, ele foi humilde e obedeceu a Deus até a morte – morte de cruz” (Filipenses 2.7-8). Sabe, é na cruz, nesse lugar de depreciação e de humilhação, que Jesus nos oferece sua misericórdia.

A carta de Paulo aos coríntios nos ensina que a lógica de Deus é diferente da lógica do mundo, é diferente da nossa própria lógica. O que Deus escolhe e valoriza parece loucura. Quem Deus escolhe e valoriza parece loucura. E é exatamente aquilo e aqueles que o mundo despreza que Deus escolhe.

Sabe, a lógica do mundo é vencer, é ganhar muito dinheiro, é ter poder, é conseguir comprar muita coisa, é o consumismo sem limites... Só tem valor quem produz e é útil de alguma forma. Se você não consegue se adaptar, você está fora. Bom é o cara que trabalha muito e que consegue fazer muito dinheiro para desfrutar de tudo o que há na vida.

A lógica de Deus é diferente. Deus ensina a partilha e valoriza a vida de todo mundo. Todos e todas são criados e criadas à imagem e semelhança de Deus. A gente tem muito valor, pessoal... Todas as pessoas têm um valor imenso para Deus, não importa se são baixas, altas, ricas, pobres, homens, mulheres, crianças, adultos, idosos, se consegue trabalhar ou se está encostado porque não consegue trabalhar... Não importa, Deus valoriza a vida de cada pessoa e não exclui ninguém. Deus não faz acepção de pessoas. “Pois ele trata a todos com igualdade” (Romanos 2.11).

Mas há uma coisa interessante na Bíblia. Sabe, na faculdade de teologia a gente chama de inversão escatológica. Esse nome difícil significa apenas “os primeiros serão os últimos, e os últimos serão os primeiros” (Mateus 20.16). Isso significa que exatamente quem é mais desprezado é que Deus valoriza mais, é que Deus vai glorificar. O próprio Cristo assumiu forma humana e sofreu na cruz, não é verdade?!

Martim Lutero costumava falar da teologia da cruz. O que é isso?! Bom, Lutero dizia que o melhor jeito da gente olhar para Deus, o melhor jeito da gente conhecer a Deus NÃO é através da natureza. Quando nós tentamos conhecer a Deus através da natureza, nós mesmos estabelecemos os critérios do conhecimento de Deus ao invés de aceitar o critério que Deus estabeleceu. Tentar encontrar Deus na natureza é confiar em nós mesmos, e não confiar em Deus.

E qual é o critério que Deus estabeleceu para nós o conhecermos?! Esse critério foi a cruz. Deus quis ser reconhecido a partir do sofrimento e quis rejeitar a sabedoria que brota da especulação. A palavra proferida por Deus na cruz vai contra a razão, é loucura.

Esse ensinamento de Martim Lutero ganhou mais vida ainda... Deus sempre faz uma opção em favor de quem é oprimido, marginalizado, discriminado... É a pessoa que sofre igual Jesus sofreu. E muito mais do que isso, Jesus ressuscitou. Ou seja, a vida venceu a morte. Isso dá força para quem está em dificuldade.

O papel da Igreja aqui é “1) captar e experimentar a novidade de Deus presente na história humana; 2) verbalizá-la e transformá-la em Boa-Nova para o povo; 3) encarná-la e expressá-la em novas formas de vida de tal maneira que, por meio dela, o povo possa perceber, novamente, o seu alcance para a vida e despertar para a sua missão” (Carlos Mesters). Sabe de uma coisa, Deus salva... Deus nos dá forças para lutar por vida melhor, indo contra ao que o mundo está pregando. É uma nova lógica. São novos valores. Aquele que se colocada como humilde diante de Deus é que será capaz de sentir o toque de Deus e de se entregar a Deus e de viver uma nova realidade, uma nova lógica.

Agora vem o texto do Evangelho de Mateus para aumentar a nossa esperança e para nos incentivar a viver um jeito diferente. O texto do Evangelho costuma ser chamado de Sermão da Montanha, é um dos poemas mais lindos e mais conhecidos no mundo. Na Bíblia, o Sermão da Montanha aparece logo após o chamado vocacional dos discípulos de Jesus Cristo. Deus chama pessoas para seu seguimento. Essas pessoas sofrem por acolherem o chamado de Cristo, mas Deus as vê de forma diferente. São humilhadas e desprezadas pelo mundo, mas glorificadas por Deus.

Somos chamados no batismo para o seguimento de Cristo. No Batismo morremos para a lógica do mundo e nascemos para a lógica de Deus. No Batismo nos tornamos sacerdotes de Deus, ou seja, representantes de Deus no mundo. A partir do Batismo somos chamados a viver os valores do reino de Deus, baseados na fé, no amor, na esperança, na justiça.

E sabe de uma coisa, a justiça de Deus funciona de forma diferente da nossa justiça. Nós somos maus, Deus é bom. Deus troca a nossa maldade por sua bondade. Assim também, Jesus morreu para que, nele, toda a justiça de Deus fosse cumprida. Essa justiça cumprida por Cristo nos é agora outorgada. Ora, se Cristo, com sua morte e ressurreição, nos dá vida e justiça, nada mais certo que passemos a viver em união com esse Cristo, como se ele próprio vivesse em nós. Ou, nas palavras do apóstolo Paulo, “não sou eu quem vive, mas Cristo é quem vive em mim” (Gálatas 2.20).

Para terminarmos essa reflexão, só gostaria de lembrar o que significa esse “bem aventurados” que o Evangelho traz.  Bem aventurado significa feliz, quem tem paz. Paz, para a Bíblia, é ter uma vida completa e abundante. É conseguir uma boa colheita, é a mulher ter filhos, é o gado ficar forte, é ter saúde... E para a gente?! Se olhamos com seriedade para a Bíblia, que paz é essa que Deus nos oferece?! É ter vida boa, mas vida boa para todo mundo. Não para um grupinho de gente privilegiada. E é isso que a gente tem que pregar, defender e lutar para que aconteça. O reino de Deus é vida boa para todo mundo. Essa é a mensagem de Cristo. Essa é a nossa mensagem. Amém!

Sermão pregado na Comunidade Evangélica de Confissão Luterana em Vitória, no dia 30 de janeiro de 2011 (4º Domingo Após a Epifania).

2 comments:

  1. Muito bom o seu blog, estive a percorre-lo li alguma coisa, porque espero voltar mais algumas vezes,
    deu para perceber a sua dedicação em partilhar o seu saber.
    Se me der a honra de visitar e ler algumas coisas no Peregrino e servo ficarei radiante.
    E se gostar e desejar comente.
    Que Deus vos abençõe e guarde.
    Abraço.Peregrino E Servo.

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  2. E se os sermões propagados por aí tivessem mais desse sentimento de misericórdia que senti aqui e menos de espetáculo!? Obrigada pelas palavras!

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