Quem sou

Vitória, ES, Brazil
Sou servidor público federal, formado em Administração Pública pela Unisul. Atualmente, estudo teologia na Faculdade Unida de Vitória e frequento uma comunidade da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Vivo todas as ambiguidades possíveis e, a partir delas, confio na imensa graça de Deus.

Sunday, April 24, 2011

Cruz e Ressurreição



1. “Mas vós, quem dizeis que eu sou?” (Marcos 8.28). Essa pergunta que Jesus coloca diante de seus discípulos é deveras perturbadora. Jesus de Nazaré pede aos seus discípulos uma afirmação do que eles acreditavam acerca do seu mestre. Na história do cristianismo, muito se tem falado sobre quem é esse Jesus e o significado de sua trajetória. Nesse domingo de Páscoa, gostaria de compartilhar algumas reflexões sobre o significado da morte e da ressurreição de Jesus para nós, cristãos do século XXI.

2. Certamente, pensar no significado da morte e ressurreição do nosso mestre nos leva também a pensar sobre a salvação que ele nos oferece. Nos séculos XI e XII, desenvolveram-se diversas propostas que propunham explicar o papel da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo na salvação que nos foi conquistada. Nesse momento, o que estava em jogo não era a encarnação de Cristo, mas o propósito da cruz.

3. Anselmo de Cantuária (1033 – 1109 d.C.) parece ser o responsável por uma doutrina da satisfação dos pecados. Para ele, o caráter perfeito de Deus não pode tolerar o pecado. Já que Deus deseja entrar em comunhão conosco, e sendo nós pecadores e, portanto, incapazes de nos achegarmos a ele, Deus mesmo se fez humano. Na pessoa de Jesus Cristo, o abismo que nos separava de Deus, ou o abismo entre a nossa iniqüidade e a natureza perfeita de Deus, foi retirado. Com sua morte na Cruz, Cristo toma sobre si o castigo pelos nossos pecados, satisfazendo a justiça divina, e faz com que a restauração da comunhão com Deus seja possível. Anselmo apresenta um Deus muito preocupado com a justiça, mas que dá pouco espaço para a misericórdia. Esse não seria um Deus do templo, em vez do Deus de Jesus Cristo, quem viveu e pregou os valores do reino?

4. Trinta anos depois, a posição de Anselmo foi questionada. Pedro Abelardo, teólogo escolástico francês, problematiza: “Como a morte do seu filho inocente pode tanto agradar a Deus Pai para que, através dela, ele possa se reconciliar conosco?”. Para ele, o amor de Cristo, demonstrado nos evangelhos, nos impulsiona a responder à altura. Quando olhamos para o amor de Cristo por Deus, sua submissão à vontade do Pai, sua preocupação com os outros e sua morte na Cruz (um ato de perfeito amor, segundo Abelardo), seremos inspirados a viver uma vida igual à de Jesus. Mas até que ponto esse modelo ético nos permite enxergar o mundo de ilusões e decepções a que estamos expostos? Se seguir a Jesus também significa ser vítima, então as pessoas marginalizadas e oprimidas devem aquiescer à sua situação, aceitando-se como vítimas?

5. Irineu e Martim Lutero já pensam na ressurreição de Jesus como vitória sobre Satanás. Pressupõe-se que Deus está em batalha contra as forças de Satanás. A morte de Jesus na cruz foi uma vitória das forças do mal. Mas a ressurreição representa a vitória definitiva e final sobre Satanás. Infelizmente não é possível ver a vitória de Deus sobre Satanás no mundo de hoje. Mas pensar que Jesus Cristo venceu a morte e as estruturas contrárias à vida nos dá esperança pela vitória contra os poderes que hoje ameaçam a vida.

6. Nesse contexto, gosto de pensar que Jesus assumiu uma ética do risco, ou seja, sua postura ética foi de tal forma coerente e contrária às estruturas de morte que o fim só poderia ser um: a cruz. Numa sociedade dominada pelo Império Romano, na qual a maioria da população era explorada por pesados impostos cobrados tanto pelo império quanto pelo templo, o judeu palestino que ensinava subversão era indesejado. Jesus conhecia as conseqüências de suas ações; mesmo assim, trabalhou pela cura, salvação e libertação do povo. Pensar em Jesus como alguém que assumiu uma ética do risco nos ajuda a entender que Deus não crucificou seu Filho, mas foram os próprios seres humanos que cometeram esse ato violento. A cruz é símbolo do pecado humano, não de um Deus abusivo.

7. A cruz também é símbolo da vitória de Cristo sobre a morte. A partir da ressurreição, a morte não prevaleceu, mas sim a vida. Mais do que vitória sobre a morte, a ressurreição de Cristo representa a vitória sobre o mal e todas as estruturas de morte que assolam a humanidade. O Cristo ressurreto continuou a obra de Jesus de Nazaré: curar, salvar, libertar... A Igreja de Cristo também continua essa obra, operando sinais do reino de Deus, assim como seu mestre operou.

8. Neste domingo de Páscoa, minha oração é que sempre nos lembremos desses eventos e passemos a viver uma vida que responda à altura da morte e ressurreição de Cristo. Da mesma forma que Deus derrotou o mal, também nós podemos derrotar o mal hoje, operando sinais do reino de Deus.

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