Quem sou

Vitória, ES, Brazil
Sou servidor público federal, formado em Administração Pública pela Unisul. Atualmente, estudo teologia na Faculdade Unida de Vitória e frequento uma comunidade da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Vivo todas as ambiguidades possíveis e, a partir delas, confio na imensa graça de Deus.

Saturday, April 23, 2011

Religião e Esfera Pública


O papel da religião na esfera pública é motivo de controvérsia. Desde o Iluminismo, defende-se que a religião deve permanecer completamente alheia a qualquer discussão política. Quando muito, deve traduzir sua fé em linguagem secular para, assim, poder entrar na esfera pública com algo objetivo a dizer. De início, encontramos nessas posições uma confusão entre as relações política/religião e instituição política/instituição religiosa. Nunca religião e política andaram dissociadas, mas é desejável que suas instituições subjacentes caminhem independentes.

Isso se deve, em grande razão, pelo fato de a religião tratar do simbólico e, assim, oferecer orientações axiológicas, área esta com a qual o racionalismo moderno pouco contribui. Segundo Gramsci, “a luta em torno do simbólico e das representações do mundo não se apresenta como um aspecto marginal, mas aparece como parte constitutiva da luta política em favor de mudanças estruturais” (BITTENCOURT FILHO 2010, p. 141). Continuando, José Bittencourt Filho (2010, p. 142) afirma:

“Ao administrar a relação entre o sagrado e o profano, a Religião organiza as ambigüidades, as contradições, e os conflitos latentes e, dessa maneira, exorciza o caos (ao conferir sentido), restaura as relações desgastadas (por meio da comunhão de ideais) e (re)infunde a esperança utópica (ao rearticular a coesão)”.

Como exemplo desse ímpeto transformador, temos a inserção, nos anos setenta, das ciências sociais como mediação hermenêutica para a teologia latino-americana. Consequentemente, mesmo numa sociedade capitalista, as relações de poder e dominação passaram a ser discutidas e questionadas no âmbito eclesial. Surgiram diversas pastorais e movimentos populares, tanto na igreja católica romana quanto nas igrejas protestantes.

Talvez essa influência da religião sobre a política na sociedade brasileira contemporânea tenha chegado ao auge com a candidatura de Anthony Garotinho à presidência, no ano de 2002. Evidentemente que essa candidatura representa outro movimento religioso, que não aquele iniciado na década de setenta, mas é conseqüência do aumento de grupos cristãos conservadores e fundamentalistas, cuja visão de mundo está cercada por idéias conquistadoras e proselitistas, próprias das missões evangélicas de diferentes períodos no Brasil.

Daí, surgem as perguntas: a religião tem legitimidade para entrar na esfera pública com o seu discurso inalterado? Quais são os limites da religião nessa esfera pública? Para Habermas, a religião só pode entrar na esfera pública se traduzir seus conceitos para uma linguagem secularizada. Contudo, há objeções a esse posicionamento.

Lembro aqui a necessária distinção entre política/religião e instituição política/instituição religiosa. Estas devem caminhar separadas em Estados democráticos de direito, com o fim de garantir a igualdade de tratamento para todos os cidadãos. Contudo, política e religião não podem andar separadas, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos.

“Na sociedade pós-secular, o Estado democrático de direito é leigo, entendido este termo em sentido amplo e não só religioso, de modo que deve exercer uma forte neutralidade em relação às concepções abrangentes sobre a realidade presentes no mundo da vida. Somente exercendo tal neutralidade é que se pode conseguir justiça política na esfera pública que, em sociedades democráticas, exige a plena e igual participação de todos os cidadãos, independentemente de suas idéias amplas sobre a realidade” (ZABATIERO 2008, p. 145).

É exatamente por ter que se manter neutro diante das diferentes cosmovisões que o Estado deve dar ouvidos à religião, com sua linguagem e pressupostos próprios. Afinal de contas, o racionalismo muito fez para entender o mundo objetivo, mas pouco tem a apresentar no seu aspecto valorativo.

“Dentro do conceito pluridimensional da razão, poder-se-ia dizer que a fé é mais ajustada para a produção de sentido com vistas a finalidades expressivas e axiológicas; menos ajustada, consequentemente, à produção de sentido com vistas a fins instrumentas e estratégicos” (ZABATIERO 2008, p. 156).

Assim sendo, a sociedade deve garantir a liberdade religiosa e a pluralidade de imagens do mundo. Para tanto, à pessoa religiosa exige-se que reconheça que sempre haverá um nível de dissenso, o que é saudável num mundo pluralista. À pessoa não-religiosa, por sua vez, exige-se que reconheça a validade e legitimidade do discurso e do conhecimento religioso, tentando entender seu viés e lógica.

REFERÊNCIAS

BITTENCOURT FILHO, José. “Da política de Deus: em ensaio sobre democracia e religião” Revista Reflexus. 04. Vitória: Faculdade Unida, 2010, p. 127-168.
ZABATIERO, Julio Paulo Tavares. “A religião e o debate público”. Cadernos de Ética e Filosofia Política. 12. São Paulo: USP, 2008, p. 139-159.

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